Nicolly Bueno

Nicolly Bueno
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sexta-feira, 2 de junho de 2017

CONTO: Para quem as flores se abrem (Ao amor de Anita Neves e Ildefonso)



Quando eu era mocinha, já faz algum tempo, vivia procurando entender o amor. Buscava respostas no horizonte, nas pessoas, em seus gestos sarcásticos, nas coisas, em tudo aquilo que fazia parte do meu mundo, por vezes, até egoísta. Mas nada era suficiente. O vazio permanecia inquietante corroen­do-me por dentro ao encontro de gestos vãos, atitu­des insanas e palavras ocas, frias e trêmulas.
      Na busca incessante de ser amada, deparei-me com o amor. O mesmo amor que até hoje me faz sor­rir e chorar freneticamente num contraste melodioso e apaixonante. O mesmo amor que fez espargir de minh’alma, um grito doloroso em meio ao silêncio tímido da minha paixão.
            Os anos vieram de mansinho tais como o outono depois de um verão escaldante. Mas minha vida oscila e se mantém firme, traduzindo-se em uma primavera constante rumo à eternidade. Uma esperança fugaz continua a me acicatar contra as feridas incuráveis de um amor verdadeiro, que me faz perder os sentidos e esquecer quem eu sou.
            A longa espera não me intimida. Lá fora, a lua cheia amarelada brilha fuzilante no céu negro e misterioso. Aqui dentro, fiapos do que resta de mim após a tem­pestade que desmoronou a vastidão de flores que para ti dediquei. Um silêncio melancólico paira no meu quarto roubando-me o sono. Viro de um lado para o outro. Estendo as mãos e sinto a cama vazia, fria, solitária. Não resisto, acendo o abajur, levanto-me a passos lentos e vou para frente do espelho. Observo a moldura dourada já envelhecida pelo tempo.
            Sinto os anos pesarem também nas minhas costas. Fico em pé, ajeito os ombros, pois mantenho a mes­ma postura e elegância adquiridas na juventude. Pas­so um leve batom rosa nos lábios, penteio os cabelos, prendendo-os de maneira sutil e dou um simpático sorriso ao espelho, quando então, vejo meu marido refletido atrás de mim.
            Dirijo-me ao corredor da sala de estar onde tenho meu piano. Começo a tocá-lo em plena madrugada. A cada toque uma pontada atinge-me o peito dilace­rando-o por completo. Os toques se repetem, alguns mais agudos, outros mais graves, às vezes, mais suaves conforme a canção vai ganhando vida. Mesmo estan­do concentrada percebo meu amado fitando-me com olhar de admiração. Fico feliz e insinuo um sorriso entre as faces levemente pintadas de rosa.
            Ai amor! Como me fazes sofrer! Sinto-me fraca como se não houvesse esperança neste mundo incré­dulo de ti. Uma dor pungente rasga-me por dentro como se a plenitude do seu legado fosse amarga como fel. Ai de mim amor, que não o tenho ao meu lado agora.
            A noite silenciosa faz-me gritar de saudade do teu carinho, dos teus olhos a me olhar flamejante feito estrela cadente. Ainda sinto o gosto adocicado dos seus lábios quando sorviam os meus sedentos.
            O tempo parou para mim... Nada tem sentido, tudo é vago sem ti. Um buraco negro sem fim a espe­ra de uma luz a iluminar os meus dias. A razão cru­cifica-me por não crer na veracidade do que eu sinto diante de ti, desde o nosso primeiro encontro.
            O dia surge especial embalando, ao longe, os prados verdes com seu encanto para abrigar as flo­res que não resistiram à noite e sobre o chão caíram amarguradas. Pressinto amor, que não tardará o nos­so próximo encontro. O encontro merecido que nos conduzirá para sempre nesta magia alucinante do que sentimos um pelo outro.
            Abro a janela do quarto para permitir que a luz branda do sol possa me aquecer. Inesperadamente, vários beija-flores vêm me dar bom dia bailando em sincronia diante dos meus olhos lacrimejantes. Com a alma renovada, saio para caminhar nas proximida­des de casa, já que a idade não me permite ir aonde meus passos gostariam.
            No caminho, encontro a antiga estação de ferro que fora palco de encontros romanescos de outrora. O local se tornara triste, sem vida, esquecido pelo tempo e por todos. Mas em minhas memórias, ele sobrevive incólume como os instantes felizes que ali vivi. Espero o trem que há muito não vem. Restaram-me, pois, as constantes chegadas e partidas da minha vida. Uma lágrima escorre por entre os sulcos que traduzem os sinais do tempo. Respiro fundo e volto para casa.
            Decido que será hoje o dia do meu encontro. Cansei de esperar sem retorno. Cansei de sofrer, de imaginá-lo ao meu lado como antes. Cansei de mim mesma nesta solidão infindável que assola os meus dias. Nem tudo é perfeito. As flores, meu bem, tam­bém se cansam de ser belas e se desfazem perante o vento.
            Apesar de todo sofrimento, sei que o amor é o sen­timento mais puro e contraditório que existe, ainda que a incompreensão nos torne céticos, mas a dor de amar e a sublimação se nos tornam exemplos contun­dentes e precisos.
            Espera-me amor, sei que também gostas de mim. Anseio encontrar-te como antes, senti-lo forte ao meu lado doente de amor como eu e juntos nos curarmos da nossa própria loucura. Nada mais a partir de hoje será pecado.
            Recordo-me daqueles dias de inverno em que dor­míamos abraçados trocando calor. Ainda sinto nossos corações pulsando em compassos iguais como se fôs­semos duas almas em um só ser, dois seres em um só coração. Se o destino assim não quisesse festejaríamos hoje nossas bodas de ouro. Não me importo tanto, porquanto o amor me faz celebrar a vida e reconhecer que valeu a pena.
            Vamos comemorar nossa união. Espera-me como sempre esperou. Chegarei na hora que Deus permitir e de ti jamais largarei. Levarei comigo um ramalhe­te de rosas vermelhas perfumadas. Neste momento, sinto o amor como um estado de êxtase pessoal, pelo qual meu espírito se eleva alcançando o ápice da mag­nitude humana alimentando minha alma sem esperar toda e qualquer recompensa.
            Não vejo a hora de poder dizer, olhando no cerne dos teus olhos: eu te amo – pois sei que mais do que estas simples palavras representam, é o verdadeiro sentido que as envolve me fazendo acreditar na pleni­tude da vida eterna.
            Os minutos passam sem piedade. A tardezinha está me abandonando. O céu está todo mesclado de cores alegres. Saio de casa cheia de vaidade para encontrar o meu amado. Os botões de rosa eu levo-os em minhas mãos. Sei que logo as flores se abrirão para dar adeus ao marasmo que, até então, me perseguia.
            Chego ao local sem atrasos. Meu amado lá me espera sorrindo. Não consigo dizer nada. Permane­ço estática olhando-o como há anos não fazia. Sento em um banco de concreto pintado de azul-celeste, apoiando-me em um pilar todo adornado de mármo­re. Adormeço como um anjo segurando as flores nas mãos. Ao longe, o pôr-do-sol encerra, para sempre, o nosso eterno encontro.