Florbela era
uma moça tão bela quanto o seu nome. Possuía traços delicados que se contrastavam,
de maneira ambígua, com seu jeito áspero de se expressar, quando a vida lhe
parecia ser injusta ou, pelo menos, oposta ao que ela desejava para ser feliz.
Apaixonou-se poucas vezes, mas viveu suas paixões de modo avassalador. A
felicidade parecia-lhe ser algo inatingível tamanha as angústias vivenciadas ao
longo dessas experiências.
Sua última
paixão marcou-lhe a alma. Florbela, como tantas outras mulheres, sofreu uma
agressão física, cuja lesão doía-lhe na alma até transformar-se no ódio e no
desejo de vingança. Planejou suicidar-se, mas ao premeditar sua própria morte
descobriu por si mesma, que era melhor matar do que morrer. Teve, entretanto,
que passar pelo suplício de denunciar o agressor, fazer exame de corpo delito e
ainda tentar recompor seu ego ferido.
Florbela
imaginava que a morte seria a solução para o fim de suas dores e de todo o seu
sofrimento espiritual. Sua melancolia não combinava com sua beleza tão admirada
quando pela rua ela passava. Decidiu acabar com seu objeto de amor, agora, de
ódio e vestiu-se de maneira elegante, de modo que sua feminilidade jamais fosse
contestada.
Certo dia, à
noite, foi ao encontro de sua vítima. Um sorriso discreto, seu olhar misterioso
e sua voz baixa, convenceram seu ex-amor e atual agressor para uma conversa
amigável. Foi até a casa do ex-amado, sentou-se numa cadeira de varanda e abriu
a bolsa discretamente, tirando um punhal novinho, o qual escondeu embaixo da
bolsa que estava em seu colo. Vaidosa, olhou-se num espelho que carregava
consigo e, de repente, levantou-se e desferiu o primeiro golpe contra o seu
agressor.
Era tarde da
noite. O rapaz deu apenas um grito. Uma coruja cruzou o céu escuro, como
sempre, agourenta. Florbela tinha pouco tempo. Colocou a bolsa na cadeira e
ajoelhou-se diante do corpo que já começara a sangrar. Com mais força, desferiu
vinte e uma punhadas no corpo já inerte e ria, não mais um riso disfarçado, mas
de plena alegria.
A cada
punhalada era como se a dor de sua alma fosse sendo curada. A felicidade que
ela sentia poderia não ser plena, mas era indescritível. O sangue vermelho e,
ainda, quente, lavou não só as mãos da doce Florbela, mas lhe trouxe uma
satisfação de uma mulher corajosa. Sua alma já não doía mais. E ela, que
almejava ser suicida, nem sequer chegou a ser assassina, pois cada vez que
lembrava que tinha sido espancada, dava uma gargalhada tão sincera que acabou morrendo
de felicidade, debruçada sobre o corpo inerte e todo ensangüentado.
Crônica inspirada na poetisa
portuguesa Florebela D´Alma Espanca que se suicidou no dia se seu aniversário
em 8 de dezembro de 1930.