Quando eu era mocinha, já faz algum tempo, vivia procurando
entender o amor. Buscava respostas no horizonte, nas pessoas, em seus gestos
sarcásticos, nas coisas, em tudo aquilo que fazia parte do meu mundo, por
vezes, até egoísta. Mas nada era suficiente. O vazio permanecia inquietante
corroendo-me por dentro ao encontro de gestos vãos, atitudes insanas e
palavras ocas, frias e trêmulas.
Na busca incessante de ser amada, deparei-me com o amor. O
mesmo amor que até hoje me faz sorrir e chorar freneticamente num contraste
melodioso e apaixonante. O mesmo amor que fez espargir de minh’alma, um grito
doloroso em meio ao silêncio tímido da minha paixão.
Os anos vieram de mansinho
tais como o outono depois de um verão escaldante. Mas minha vida oscila e se
mantém firme, traduzindo-se em uma primavera constante rumo à eternidade. Uma
esperança fugaz continua a me acicatar contra as feridas incuráveis de um amor
verdadeiro, que me faz perder os sentidos e esquecer quem eu sou.
A longa espera
não me intimida. Lá fora, a lua cheia amarelada brilha fuzilante no céu negro e
misterioso. Aqui dentro, fiapos do que resta de mim após a tempestade que
desmoronou a vastidão de flores que para ti dediquei. Um silêncio melancólico
paira no meu quarto roubando-me o sono. Viro de um lado para o outro. Estendo
as mãos e sinto a cama vazia, fria, solitária. Não resisto, acendo o abajur,
levanto-me a passos lentos e vou para frente do espelho. Observo a moldura
dourada já envelhecida pelo tempo.
Sinto os anos
pesarem também nas minhas costas. Fico em pé, ajeito os ombros, pois mantenho a
mesma postura e elegância adquiridas na juventude. Passo um leve batom rosa
nos lábios, penteio os cabelos, prendendo-os de maneira sutil e dou um
simpático sorriso ao espelho, quando então, vejo meu marido refletido atrás de
mim.
Dirijo-me ao
corredor da sala de estar onde tenho meu piano. Começo a tocá-lo em plena
madrugada. A cada toque uma pontada atinge-me o peito dilacerando-o por
completo. Os toques se repetem, alguns mais agudos, outros mais graves, às
vezes, mais suaves conforme a canção vai ganhando vida. Mesmo estando
concentrada percebo meu amado fitando-me com olhar de admiração. Fico feliz e
insinuo um sorriso entre as faces levemente pintadas de rosa.
Ai amor! Como me
fazes sofrer! Sinto-me fraca como se não houvesse esperança neste mundo incrédulo
de ti. Uma dor pungente rasga-me por dentro como se a plenitude do seu legado
fosse amarga como fel. Ai de mim amor, que não o tenho ao meu lado agora.
A noite
silenciosa faz-me gritar de saudade do teu carinho, dos teus olhos a me olhar
flamejante feito estrela cadente. Ainda sinto o gosto adocicado dos seus lábios
quando sorviam os meus sedentos.
O tempo parou para mim... Nada tem
sentido, tudo é vago sem ti. Um buraco negro sem fim a espera de uma luz a
iluminar os meus dias. A razão crucifica-me por não crer na veracidade do que
eu sinto diante de ti, desde o nosso primeiro encontro.
O dia
surge especial embalando, ao longe, os prados verdes com seu encanto para
abrigar as flores que não resistiram à noite e sobre o chão caíram
amarguradas. Pressinto amor, que não tardará o nosso próximo encontro. O
encontro merecido que nos conduzirá para sempre nesta magia alucinante do que
sentimos um pelo outro.
Abro a janela do
quarto para permitir que a luz branda do sol possa me aquecer. Inesperadamente,
vários beija-flores vêm me dar bom dia bailando em sincronia diante dos meus
olhos lacrimejantes. Com a alma renovada, saio para caminhar nas proximidades
de casa, já que a idade não me permite ir aonde meus passos gostariam.
No caminho,
encontro a antiga estação de ferro que fora palco de encontros romanescos de
outrora. O local se tornara triste, sem vida, esquecido pelo tempo e por todos.
Mas em minhas memórias, ele sobrevive incólume como os instantes felizes que
ali vivi. Espero o trem que há muito não vem. Restaram-me, pois, as constantes
chegadas e partidas da minha vida. Uma lágrima escorre por entre os sulcos que
traduzem os sinais do tempo. Respiro fundo e volto para casa.
Decido que será
hoje o dia do meu encontro. Cansei de esperar sem retorno. Cansei de sofrer, de
imaginá-lo ao meu lado como antes. Cansei de mim mesma nesta solidão infindável
que assola os meus dias. Nem tudo é perfeito. As flores, meu bem, também se
cansam de ser belas e se desfazem perante o vento.
Apesar de todo sofrimento,
sei que o amor é o sentimento mais puro e contraditório que existe, ainda que
a incompreensão nos torne céticos, mas a dor de amar e a sublimação se nos
tornam exemplos contundentes e precisos.
Espera-me amor,
sei que também gostas de mim. Anseio encontrar-te como antes, senti-lo forte ao
meu lado doente de amor como eu e juntos nos curarmos da nossa própria loucura.
Nada mais a partir de hoje será pecado.
Recordo-me
daqueles dias de inverno em que dormíamos abraçados trocando calor. Ainda
sinto nossos corações pulsando em compassos iguais como se fôssemos duas almas
em um só ser, dois seres em um só coração. Se o destino assim não quisesse
festejaríamos hoje nossas bodas de ouro. Não me importo tanto, porquanto o amor
me faz celebrar a vida e reconhecer que valeu a pena.
Vamos comemorar nossa união. Espera-me
como sempre esperou. Chegarei na hora que Deus permitir e de ti jamais
largarei. Levarei comigo um ramalhete de rosas vermelhas perfumadas. Neste
momento, sinto o amor como um estado de êxtase pessoal, pelo qual meu espírito
se eleva alcançando o ápice da magnitude humana alimentando minha alma sem
esperar toda e qualquer recompensa.
Não vejo a
hora de poder dizer, olhando no cerne dos teus olhos: eu te amo – pois sei que
mais do que estas simples palavras representam, é o verdadeiro sentido que as
envolve me fazendo acreditar na plenitude da vida eterna.
Os minutos passam
sem piedade. A tardezinha está me abandonando. O céu está todo mesclado de
cores alegres. Saio de casa cheia de vaidade para encontrar o meu amado. Os
botões de rosa eu levo-os em minhas mãos. Sei que logo as flores se abrirão
para dar adeus ao marasmo que, até então, me perseguia.
Chego ao local
sem atrasos. Meu amado lá me espera sorrindo. Não consigo dizer nada. Permaneço
estática olhando-o como há anos não fazia. Sento em um banco de concreto
pintado de azul-celeste, apoiando-me em um pilar todo adornado de mármore.
Adormeço como um anjo segurando as flores nas mãos. Ao longe, o pôr-do-sol
encerra, para sempre, o nosso eterno encontro.