Carlos Drummond de Andrade[1]
Definitivo,
como tudo o que é simples. Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das
coisas que foram sonhadas e não se cumpriram. Por que sofremos tanto por amor? O
certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma
pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento
intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.
Sofremos por quê? Porque
automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas
nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter
conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos
de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que
gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos. Por todos os beijos
cancelados, pela eternidade. Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e
paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao
cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.
Sofremos não porque nossa mãe é
impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar
confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse
interessada em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada. Sofremos não
porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais
sonhamos e nunca chegamos a experimentar. Como aliviar a dor do que não foi
vivido? A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais! A cada dia que vivo, mais me convenço de que o
desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na
prudência egoísta que nada arrisca, e
que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade. A dor é
inevitável. O sofrimento é opcional.
[1] O autor deste texto é poeta, cronista,
contista, brasileiro nascido na pequena cidade de Itabira do Mato Dentro (MG),
em 31 de outubro de 1902. No dia 5 de agosto de 1987, depois de dois meses de
internação, morreu sua filha Maria Julieta, vítima de câncer. O estado de saúde
do poeta piorou, e Drummond morreu menos de duas semanas depois, em 17 de
agosto, de problemas cardíacos.
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